23 de setembro de 2009

GAPP- Grupo Nascer Sorrindo Encontro X/2009



Roda de Conversa para gestantes e casais grávidos.

Quando: dia 17/10 das 10:30hs às 12:00hs(solicito que por favor, cheguem no horário).
Onde: Rua Oswaldo Aranha, 1070/401, em frente ao Parque de diversões da Redenção.
Pauta: Assunto relacionados a gestação, parto e amamentação.
Nós apoiamos o Parto Ativo!!!

Contatos: e-mail, doulazeze@yahoo.com.br ou fone 9123 6136, confirme sua presença.

Paternidade - Ricardo Herbert Jones



PATERNIDADE
A importância da presença do pai para a realização de um parto em harmonia é um tema que eu nunca cansei de pesquisar e estudar. Esta é uma questão que eu carrego há quase 30 anos e um debate que sempre me acompanhou. Há alguns anos Michel Odent colocou em dúvida se a presença dos homens na cena do parto poderia ser positiva em todos os casos, como se costumou acreditar no mundo ocidental. Pois eu acredito que ela é sempre positiva, desde que a gestante esteja de acordo. Colocar a decisão com a mulher é, para mim, a melhor maneira de compatibilizar as necessidades femininas de tranqüilidade e privacidade com os desejos masculinos de participar do evento de forma efetiva.

Recém formado na sóbria escola médica da Universidade Federal, fui trabalhar em um hospital militar na periferia da minha cidade. Como seria de esperar, as regras deste hospital, em relação à presença de acompanhantes, seguiam as normas extra-oficiais do restante dos hospitais brasileiros. Neste pequeno hospital, os protocolos eram ainda mais rígidos, provavelmente por ser este uma unidade militar.

- Não é permitida a entrada de acompanhantes nas dependências do centro cirúrgico e centro obstétrico.
Esse era o recado afixado na porta da acanhada maternidade.

As exceções eram oferecidas de acordo com a boa vontade do cirurgião ou do obstetra, e também quando uma patente militar muito superior impunha certa deferência. Quando fui trabalhar neste hospital meus filhos ainda eram muito pequenos e, apesar de ainda continuar aferrado a muitas condutas que hoje abominaria na assistência ao parto normal, eu já tinha bem nutrida em meu peito a chama de uma indignação que me acompanharia o resto da vida. O nascimento deles ainda estava vívido na minha lembrança; ainda podia sentir os aromas e as cores que coloriram a chegada deles. Ainda brilhavam na minha retina a cor, a luz, o brilho da lágrima, o som primal, o primeiro gemido e as tantas outras sensações que nos invadem quando percebemos a imagem de nossa imortalidade tomando corpo. Por terem meus filhos nascido com a minha presença no centro obstétrico eu acreditava ser devedor de uma vivência fulgurante como essa aos outros homens que porventura passassem pela mesma experiência. Por estas razões, minha primeira conduta como plantonista deste centro obstétrico foi abrir as portas aos pais que desejassem assistir o parto de seus filhos. A estratégia para isso foi incluir a presença dos maridos na "prescrição" rotineira. Entre os itens como dieta, sinais vitais e outros eu, sorrateiramente, incluía "Presença do pai na sala". Mais do que uma permissão, o acompanhamento era uma deliberação de ordem médica, pois eu intuía que esta presença poderia ser de auxílio para a boa condução do processo.

Minha história com a paternidade se inicia no meu próprio nascimento, no corredor frio do hospital dos Moinhos Uivantes. Os signos e sinais ali estabelecidos por certo construíram a estrutura básica de minha visão sobre a transcendência do nascimento humano. Depois deste fato foi a minha vez de, investido na posição de pai/menino, passar pela grande experiência de participar do nascimento dos meus próprios filhos. A paternidade entrou em mim como um solavanco na meninice que ainda trazia no sorriso. Meu rosto de criança se transfigurou ao perceber que, daquele momento em diante, eu jamais seria o mesmo. A miríade de imagens que percorrem difusamente a parede da minha distante memória apenas me mostra os traços mais salientes de um momento transformador. Jamais eu olharia o mundo com os mesmos olhos; nunca mais eu veria as coisas como antes.

Os livros escolares estabelecem datas que, pela sua importância e repercussão, produziram cortes epistemológicos na história. Fizemos assim com a tomada de Constantinopla, a queda da Bastilha, a gravação de "I Wanna Hold Your Hand", pelos Beatles e, mais atualmente, a derrubada das Torres Gêmeas, em Nova Iorque. Todos estes momentos marcaram simbolicamente a passagem de uma etapa para outra da nossa jornada na terra. Pois as pessoas também têm suas quedas, suas mudanças e avanços. Também criamos e materializamos símbolos de transformação.

O nascimento dos meus filhos matou um menino. Caído ao solo, no pequeno corredor que levava ao vestiário do hospital, nunca mais se ergueu. Ele existe apenas em sonhos, nas lembranças fantasiosas e imperfeitas, assim como no gérmen infantil que todos carregamos no coração. Mas sua existência concreta acabara ali. Morto, sem vida. Mas incrivelmente nenhum dos médicos do hospital se interessou por ressuscitá-lo. Melhor que ficasse, enfim, ali onde estava.

O nascimento dos meus filhos foi a mais intensa emoção, a mais terna lembrança e o momento mais decisivo. Naquele momento se desenhava o resto inteiro da minha vida.

Tenho o privilégio de olhar um mundo absolutamente feminino de uma estratégica e solitária posição masculina. Conheço as lágrimas vertidas por elas, entremeadas com sorrisos esfuziantes. Sei das suas dores, do corpo e da alma, e tento entender o quanto elas são importantes para esculpir a mulher que se cria diante dos meus olhos, moldada pelo cinzel do parto em sua carne. Parto, partida, cisão; estes elementos são os constitutivos de uma transformação imensa, que modifica toda a nova existência que diante de nós se forma. Bem sei da delícia e da dor de ser o que se é: feminina e fêmea. Dos olhos das mulheres que gestam e geram brota o mais incisivo ensinamento e a mais absoluta das certezas: nada é certo, tudo é supérfluo e inconstante.

Mas e os homens diante do furacão avassalador de um nascimento?

O que isso significa para a nossa vida, nossa história e nosso futuro?

A frase "Parir não é apenas fazer bebês; é fazer mães, fortes, competentes e capazes, que confiam em si mesmas e acreditam na sua capacidade interior", da antropóloga Barbara Katz Rothman, também poderia ser facilmente aplicável à paternidade. Os pais são moldados nas fornalhas incandescentes de sentimentos que permeiam o nascimento. Passar pelo desafio da confiança, do silêncio assegurador, da palavra de ajuda, do beijo de amor e do respeito às decisões que sua mulher assume é o melhor treinamento possível para os inúmeros desafios que a sua posição paterna determinará. Não existe ensaio melhor para a paternidade que a-companhar sua esposa no momento decisivo do parto. Ali as cartas estarão na mesa, e as decisões tomadas terão repercussões por toda a vida das pessoas envolvidas.

Se acreditarmos no "imprint" do nascimento, onde as palavras - feitas da energia do simbólico - volitam sobre as consciências e deixam marcas no ser que nasce, como impressões indeléveis e indestrutíveis de um desejo que se faz presente, também teremos de crer que estes sinais fazem caminhos no corpo do pai que nasce. Também ele se transmuta; se metamorfoseia e se cria.

Leonardo Boff nos alertava que o que nos distingue das outras espécies é nossa capacidade de cuidar. Na cena do nascimento, nas energias selvagens do parto, o cuidar se faz presente de uma maneira cálida e intensa. Ali encontramos a mais vívida escola de paternidade, nos ensinando a delicadeza, a sutileza, o carinho e o limite.

É desta matéria que se molda um pai. Jogado imperfeito na fornalha do parto, no cadinho dos sentimentos em conflito, onde sobressai o medo e a incerteza, ele ressurge renovado e trans-formado para cumprir a tarefa de ser a mão forte e corajosa a guiar seu filho. É claro que um pai se forma de muitas maneiras, mas ninguém há de negar que a natureza, com sua sabedoria, nos ofereceu uma escola primorosa para auxiliar na complexa tarefa de produzi-los.

E que os séculos que temos diante de nós possam fortalecer os laços entre os pais e seus filhos, para que a humanidade possa ter mais dignidade e justiça.

Ric Jones